Você tentou comprar algum capacitor em 2018?

Você tentou comprar algum capacitor em 2018?

A pergunta do título deste artigo atormentou grandes, médias e pequenas empresas em 2018.

A falta de peças no mercado (o que implicou prazos de entrega que chegaram a mais de um ano, como se vê na figura 00), o aumento astronômico dos preços (para alguns itens o valor chegou a subir absurdos 500% num intervalo de menos de cinco anos) e o anúncio de que alguns fabricantes desistiram desse tipo de produto (fechando fábricas e colocando alguns modelos em fim de vida, não sendo mais produzidos após determinada data) foram a grande dor de cabeça de quem desenvolve, projeta, fabrica e produz equipamentos eletrônicos em 2018.

Figura 00 – Uma breve pesquisa em um site de compras eletrônicas de componentes, como a Digi-Key, mostra que, para alguns tipos de capacitores, o prazo de entrega é superior a um ano (62 semanas).

Todo esse movimento no mercado de capacitores atormentou o hobbista, o aluno de cursos técnicos e de cursos de engenharia, os participantes de hackathons, os hackers e todo mundo que tentou fazer funcionar qualquer projeto eletrônico no ano passado.

Atormentou também, como não poderia deixar de ser, os clientes da empresa em que eu trabalho e que compram capacitores em pequenas, médias e grandes quantidades.

O culpado por toda essa tormenta é um simples capacitor cerâmico de multicamadas, mais conhecido nesse mercado pela agora “terrível” sigla MLCC (MultiLayer Ceramic Capacitor).

O problema está no fato de que esse item é utilizado aos milhares em qualquer projeto de sistema embarcado, como o mostrado na figura 01, em que são utilizadas algumas dezenas de capacitores MLCC para fazer o acoplamento e o desacoplamento de pinos de um processador ARM Cortex-A53 multinúcleo com velocidades que passam dos 500 Mhz.

 

Figura 01 – Capacitores MLCC são utilizados às dezenas para fazer o acoplamento e o desacoplamento de pinos de processadores modernos e velozes, como é o caso do ARM Cortex-A53.

 

Mas o nosso leitor que olha para a figura 01 pode achar que está a salvo de precisar de um capacitor em seu projeto, uma vez que a imagem dá a entender que apenas projetos complexos (como é o caso do uso de processadores modernos) necessitarão desse tipo de componente eletrônico.

A figura 02 vem para mostrar que não é bem assim.

 

Figura 02 – Algumas das aplicações eletrônicas que utilizam capacitores.

É mais fácil dizer que é praticamente impossível encontrar algum tipo de circuito eletrônico em que capacitores não sejam utilizados.

E não depende apenas se o seu projeto, produto ou equipamento atuará em baixa, média ou alta frequência, com as mais diferentes tensões, como se pode ver na figura 03. Todos eles podem utilizar capacitores MLCC.

Figura 03 – Capacitores MLCC se aplicam em circuitos de baixa, média e alta frequência.

Outra lenda urbana referente aos capacitores é que eles são muito baratos. Em especial, os MLCC. E que isso não afetaria o custo final de um projeto eletrônico.

Essa lenda nasce quando se coloca na ponta do lápis de qualquer projeto eletrônico qual é o custo dos capacitores e se faz uma comparação com itens ditos mais “nobres”, como é o caso de memórias, microcontroladores, transistores de potência etc. Como esses itens têm custos elevados na placa (alguns dólares e, às vezes, até dezenas de dólares), os capacitores podem passar despercebidos. E isso aumenta ainda mais essa lenda.

Mas temos um grande perigo nessa falta de noção do custo desse pequeno item nos mais diversos projetos.

É preciso fazer a conta com cuidado. A figura 04 traz uma informação que assusta quem trabalha com alto volume de produção de placas.

Um simples capacitor MLCC de 100 nF – 50 V que custava algo em torno de míseros US$ 0,0027 (a unidade) em março de 2016 não consegue mais ser comprado por menos de US$ 0,0046 em fevereiro de 2017. E esse não foi o pico dessa crise! O mesmo item em novembro do ano passado (2018) chegou à casa dos US$ 0,0197.

Figura 04 – O aumento de preços de capacitores já tinha uma forte tendência de alta entre 2016 e 2017. E se agravou muito em 2018.

 

Grandes fabricantes de capacitores, como a taiwanesa Yageo, anunciou ao longo de 2017, em cartas enviadas aos seus clientes, sucessivos aumentos de preço e prolongamento do prazo necessário para entregar os materiais, como mostra a figura 05. E 2017 ainda não foi o pico da crise de distribuição de capacitores no mundo! O ano de 2018, até o momento, foi o mais crítico.

Figura 05 – Durante todo o ano de 2017, o fabricante Yageo disparou diversas cartas aos seus clientes informando sobre aumentos sucessivos de preço e prorrogações de prazo de entrega. Só em 2017, o preço desses itens dobrou. Em 2018, isso ficou ainda pior.

 

Você, neste momento da leitura deste artigo, deve estar pensando que continuamos alarmados por mixarias. Por itens que custavam menos de 1 centavo de dólar e que passaram a não custar nem 2 centavos de dólar. Mas vou lhe fornecer apenas poucos dados para que você pense em qual é o impacto real desse aumento.

Imagine quantos capacitores desse tipo são necessários para produzir um telefone celular. Imaginou? Então, compare a sua imaginação com os dados da tabela mostrada na figura 06.

Figura 06 – Quantidade de capacitores do tipo MLCC que são necessários para se construir um telefone celular de última geração.

 

Agora, imagine quantos telefones celulares são produzidos por mês. No mundo! Acho que você já começa a ter uma pequena dimensão do tamanho da encrenca. A figura 07 o ajuda a ter uma pequena dimensão do que estou tentando descrever.

Figura 07 – Em 2018, apenas o número de telefones celulares considerados smartphones produzidos chegou perto de atingir os 2 bilhões de unidades. Se somarmos a essa conta os telefones mais simples, o número é muito maior.

 

Nós estamos falando de quase 1 trilhão de capacitores apenas para atender à demanda da indústria de telefones celulares. Dobre o custo de um item e veja qual é o impacto no preço final desse item. É disso que estamos falando neste artigo.

E isso afeta diretamente você que tenta comprar “míseras” 10 mil unidades para fazer um produto de internet das coisas ser lançado aqui no Brasil. Porque você está competindo, junto aos fabricantes, com quem quer comprar trilhões de unidades desse item. Quem você acha que terá prioridade para receber peças se o mercado não conseguir produzir itens para atender todo mundo?

E essa é uma das causas da falta de capacitores no mercado em 2018. Mas não é apenas a aplicabilidade deles que causou tudo isso. Ao longo deste artigo, mostraremos mais algumas causas. Vejamos, por exemplo, o uso de capacitores MLCC em outros mercados que não o de telefonia celular.

 

Todos os mercados querem muitos capacitores MLCC

O exemplo dos telefones celulares é meio óbvio e bem fácil de ser visualizado.

Mas, em quase todos os mercados, existe uma explosão de consumo desse tipo de capacitor. Um exemplo dessa segmentação está na tabela mostrada na figura 08, encontrada no site da Yageo, em que as classificações, tipos e aplicações são tabulados.

Figura 08 – Alguns dos diversos segmentos em que os capacitores MLCC são aplicados, segundo o fabricante Yageo.

 

Cada um desses segmentos vem aumentando a todo ano o consumo de capacitores MLCC. Para mostrar mais alguns dados e deixar nosso leitor ainda mais ciente do tamanho do problema, vamos tratar um pouco do mercado automotivo.

O gráfico da figura 09 mostra que, ano a ano, a indústria automotiva vem consumindo mais e mais capacitores, com taxas de crescimento anual da ordem de 20%.

Figura 09 – O aumento de consumo de capacitores dentro de veículos tem acompanhado a evolução da eletrônica embarcada.

 

Pense num carro que foi lançado no mercado há dez anos, em 2009. Agora vá visitar qualquer concessionária de automóveis em 2019. Compare a quantidade de eletrônica que existia nos veículos de dez anos atrás com a eletrônica atual.

Esse aumento de sensores, processadores, comunicação etc. elevou bastante a quantidade de componentes eletrônicos existentes dentro de qualquer veículo. E os capacitores não poderiam ser diferentes. Uma tabela bem interessante, mostrada na figura 10, dá a exata dimensão desse consumo de capacitores pela indústria automotiva.

Figura 10 – A quantidade de capacitores dentro de veículos tem aumentado exponencialmente ao longo dos anos.

 

Com isso, podemos concluir que um carro moderno tem muitos capacitores MLCC aplicados nas mais diferentes funções, como se pode ver na figura 11.

Figura 11 – As diversas áreas de aplicação de capacitores MLCC dentro de um carro.

 

Se juntarmos todos os mercados que consomem capacitores MLCC, incluindo os mais diversos setores, como é o caso de celulares, automotivo, industrial, informática etc., os números são astronômicos.

Uma pequena ideia desse volume pode ser vista na figura 12. Nela, as barras azuis são o valor (em bilhões de dólares) obtido pelos fabricantes de capacitores com a venda destes. E a linha verde mostra o volume de unidades vendidas, em trilhões de unidades.

Figura 12 – Quantidade de dinheiro gerada com a venda de capacitores nos últimos 22 anos.

 

Uma análise bem interessante pode sair desse gráfico. E essa análise, se bem-feita, pode dar uma boa ideia de por que está faltando capacitor no mercado e por que o preço está subindo tanto.

Durante seis anos, entre 2011 e 2016, o volume de dinheiro gerado para os fabricantes de capacitores permaneceu muito estável, na ordem de US$ 7,3 bilhões por ano. Mas, no mesmo período, a quantidade de capacitores fabricados saltou de 2 trilhões de unidades para 3 trilhões de unidades por ano.

É um crescimento muito expressivo na quantidade produzida. E com praticamente o mesmo valor de dinheiro sendo gerado por essa venda. Aumenta-se a produção, mas não se aumenta o dinheiro gerado nessa produção.

Então, o que aconteceu nesse período de seis anos? Os preços dos capacitores diminuíram? As margens de lucro dos fabricantes diminuíram?

Segundo a minha análise (e sinta-se livre para discordar, comentar, observar etc. na área de comentários deste artigo), as duas coisas parecem ter acontecido ao mesmo tempo. Alguns capacitores tiveram pequena redução de preço (mais por pressão de mercado e por aumento de concorrência do que por qualquer benevolência por parte dos fabricantes) e os lucros dos fabricantes também diminuíram (pode parecer incrível, mas os principais fabricantes de capacitores tiveram que diminuir seus lucros para se manter num mercado tão competitivo e agressivo como esse).

Para se manterem competitivos nesse mercado é necessário que os fabricantes de capacitores invistam consideráveis somas de dinheiro para modernizar as fábricas, melhorar processos produtivos, garantir qualidade etc. Vou explorar um pouco isso no artigo, quando eu abordar como um capacitor MLCC é feito.

Junte-se a isso o temor de uma nova crise, como a que aconteceu em 2008, quando o mercado imobiliário americano praticamente quebrou (lembra-se do fechamento do Lehman Brothers? Pois bem, a indústria de semicondutor não se esquece desse caso, porque os prejuízos gerados nesse período foram inesquecíveis), e você terá um grande receio, como qualquer executivo da indústria de semicondutores e de passivos (como é o caso dos capacitores), em fazer grandes investimentos que demorarão muito para gerar resultados.

Justo num momento em que mais a demanda estava aumentando, alguns fabricantes decidiram que não valia mais a pena investir alguns bons bilhões de reais para se manter competitivo num mercado em que as margens de lucro só diminuíram nos últimos anos. Estava, então, montado um cenário que teve seu pico em 2018.

Essa diminuição no preço e na margem de lucro continuou até chegar a um limite em que alguns fabricantes consideraram não ser mais saudável financeiramente se manter nesse mercado. E, simplesmente, comunicaram ao mercado que não fabricariam mais capacitores. E fecharam fábricas. E colocaram algumas linhas em end of life (EOL).

Essa redução na quantidade de fabricantes dispostos a colocar um tipo de produto no mercado, em uma época em que cada vez mais estamos cercados por equipamentos com mais e mais eletrônica embarcada, o que significa que o aumento de demanda por consumo desse produto não para de subir, só poderia resultar em um quase colapso no sistema de produção, em que muitas empresas e setores querem comprar e vários fabricantes não têm como atender a toda a demanda.

 

Na distribuição de componentes eletrônicos, dizemos que esse mercado entrou em ALOCAÇÃO.

Houve, então, uma grande concentração de mercado em que poucos fabricantes têm realmente condições de se manter competitivos ao produzir capacitores MLCC.

Uma lista com os grandes fabricantes desse tipo de item e a porcentagem de mercado que eles ocupam pode ser vista na figura 13.

Figura 13 – Quem são os maiores fabricantes de capacitores MLCC no mundo.

 

Em inglês, o termo mais utilizado para esse colapso na fabricação foi MLCC Capacitor Shortage. Experimente entrar no oráculo (Google) e digitar esses termos em inglês, acrescentando o ano de 2018. Você se surpreenderá com os resultados encontrados. Muitos desses resultados serviram de fonte de pesquisa para que eu pudesse escrever este artigo.

Não preciso explicar que isso resulta em grandes aumentos de preço, correto? Quem precisou comprar um capacitor em 2018 conseguiu comprovar na prática o que eu estou falando.

E todos eles tiveram algum problema associado a aumento de preço e aumento de prazo de entrega desses capacitores.

 

Como se fabrica um capacitor MLCC

Existem outros fatores que contribuíram para chegarmos a esse ponto crítico dos capacitores. Um desses fatores é a fabricação.

Aquele minúsculo capacitor cerâmico SMD que está dentro dos equipamentos eletrônicos que você utiliza tem alta tecnologia de fabricação.

Apesar do pequeno tamanho, esse capacitor tem inúmeras camadas de elementos condutores e isolantes intercalados, o que permite chegar aos valores nominais de capacitância que estão disponíveis no mercado, como mostra a figura 14.

Figura 14 – Um capacitor MLCC é composto por inúmeras camadas de material condutor isolante, intercalado para conseguir o efeito capacitivo desejado.

 

Ao longo do tempo, a tecnologia de fabricação de capacitores evoluiu, permitindo um alto grau de compactação de tamanho, com, acredite, um aumento da capacitância, como se mostra na figura 15.

Figura 15 – A tecnologia fabril de capacitores MLCC evoluiu muito nas últimas décadas, permitindo uma compactação de tamanho, mas com incrível aumento de capacitância.

 

É claro que há um limite físico para essa miniaturização e para esse aumento de capacitância. Isso pode ser visto na figura 16.

Figura 16 – Há um limite físico para atingir o grau de miniaturização e o aumento de capacitância.

 

O processo fabril de um capacitor MLCC consiste em pegar os materiais corretos e criar as chapas desses materiais. Com essas chapas prontas, faz-se uma intercalação entre eles, criando camadas e empilhando-as. Essas pilhas de camadas são prensadas para que eles fiquem com a densidade correta. O resultado é uma placa enorme, que será cortada no tamanho dos capacitores minúsculos que vemos em nossos equipamentos. Esses minúsculos capacitores passam por um processo de “cura” química, em que os materiais praticamente se aderem. Após isso, os terminais são acrescentados nas suas laterais. São esses terminais que serão soldados nas placas de circuito impresso. A qualidade de um capacitor será confirmada a partir desse processo, em que cada capacitor deve passar por um processo de testes, garantindo a sua capacitância, tolerância, entre outros parâmetros. Somente depois disso, o item é enfitado, de modo que possa ser utilizado em máquinas de colocação e soldagem automáticas.

Todo o processo é mostrado na figura 17.

Figura 17 – Um breve passo a passo de como se fabrica um simples capacitor MLCC.

 

Pois bem: a partir da figura 17, começam os problemas que causaram a dor de cabeça para comprar capacitores em 2018. Vamos explicar um pouco o conceito de qualidade desses capacitores.

Como garantir a qualidade de um capacitor MLCC

Se você está projetando um equipamento eletrônico e precisa utilizar um capacitor, certamente os valores de capacitância, tensão e temperatura de operação desse capacitor devem ser seguidos à risca para que o seu equipamento funcione conforme o projetado.

Existem, inclusive, algumas codificações padrão, como é o caso da EIA RS-198, mostrada na figura 18, que classificam os capacitores MLCC pela sua variação de capacitância de acordo com a variação de temperatura onde esse capacitor é utilizado, para ficar apenas em um dos parâmetros importantes ao especificar um capacitor.

Figura18 – Tipos mais comuns de tolerância de acordo com as temperaturas de operação em capacitores MLCC.

 

Eu encontrei uma tabela com alguns dos modelos mais comuns de composição de tolerância à variação da temperatura de capacitores MLCC e mostrei isso na figura 19.

Figura 19 – Modelos mais comuns de tolerância à variação de temperatura de capacitores MLCC.

 

Aí começa uma parte do processo fabril que dificilmente um técnico, engenheiro, projetista, hobbista, entusiasta e afins (que especifica um capacitor para um projeto) percebem: fazer bilhões (às vezes, trilhões) de capacitores em poucas semanas de produção e garantir que lotes gigantescos tenham a mesma tolerância não é uma tarefa fácil. E empresas gastam alguns bilhões de dólares em equipamentos para fazer testes e garantir essa qualidade.

Uma série de processos de medida de qualidade é implementada pelas fábricas para garantir a repetibilidade do processo, como se pode ver na figura 20. E esses processos são, na maioria das vezes, caros e lentos.

Figura 20 – Alguns dos inúmeros testes aos quais devem ser submetidos os capacitores MLCC a fim de assegurar a qualidade de bilhões de itens fabricados semanalmente.

 

Qualquer falha em qualquer uma das etapas do processo fabril mostrado na figura 17 só pode ser detectada nesse processo de qualidade.

Não fazer um processo de qualidade completo é mais rápido. E produz capacitores mais baratos.

Surgem, então, empresas que sabem desse problema de prazos e preços, que se agravou em 2018, e se aproveitam da falta de peças disponíveis no mercado para oferecer estoques e lotes para pronta-entrega de capacitores. O problema é que esses itens têm procedência duvidosa.

Comprar de empresas que estão se aproveitando desse momento de falta de materiais em 2018 pode fazer com que os itens tenham uma marcação de determinado valor de capacitância, com determinada marcação de tolerância à temperatura, mas que, na verdade, têm falhas estruturais quase imperceptíveis a equipamentos comuns (como a mostrada na figura 21) e causarão mau funcionamento de equipamentos eletrônicos quando estes já estiverem montados e sendo utilizados em campo.

Para detectar falhas de produção como as da figura 21, é necessário equipamento caro e tempo medindo todos os capacitores produzidos. Isso não é compatível com o preço e com o prazo ofertado por essas empresas.

Não existe almoço grátis, já ouviu essa frase?

Figura 21 – Falha estrutural detectada com microscópio eletrônico em um lote de capacitores MLCC que alterou o valor de capacitância.

 

Algumas empresas fabricam maquinário especial para automatizar esses testes e garantir a qualidade de lotes e mais lotes de produção, como se pode ver na figura 22, que mostra o alimentador de uma Allegro LC (visto na figura 19).

Figura 22 – Um lote de capacitores MLCC que acabou de ser fabricado entra em uma máquina automatizada para medida de falhas.

Figura 23 – Máquina Allegro LC que faz testes em capacitores MLCC.

 

Manter toda essa qualidade custa caro. E faz parte do dia a dia dos grandes fabricantes de capacitores. Mas não é só o custo do teste que entra nessa conta. Os materiais utilizados na fabricação de um capacitor MLCC também têm influência direta nesse custo. Vamos explorar um pouco a composição química desses capacitores MLCC.

 

Quais materiais são necessários para se fabricar um capacitor MLCC

Quando tomamos conhecimento de quanta matéria-prima é necessária para fazer um simples capacitor MLCC minúsculo, podemos nos assustar.

Na figura 24, são listados alguns dos principais materiais que entram na receita de um capacitor como esse.

Figura 24 – Alguns dos materiais que entram na composição de um capacitor MLCC.

 

O mais interessante é notar que metais nobres, como a prata e o cobre, entram nessa receita. Outros produtos químicos também entram nessa conta.

E aí encontramos mais uma justificativa para o aumento do prazo de entrega dos capacitores e o aumento do preço desses itens.

As principais matérias-primas necessárias para se fabricar um capacitor de boa qualidade sofreram um aumento de preço significativo ao longo dos últimos dois anos, como se pode ver na tabela que está mostrada na figura 25.

O preço desses materiais pode ser conferido no site InfoMine, no link abaixo.

https://www.infomine.com/investment/base-metals/

Figura 25 – As principais matérias-primas necessárias para se fabricar capacitores MLCC sofreram aumento ao longo dos últimos dois anos.

 

Outro item que deve entrar na conta do aumento de preço dos capacitores é o custo de mão de obra necessária para todo esse processo fabril.

Pode-se imaginar que as linhas de produção são moderníssimas e com elevado grau de automação. Mas mesmo as linhas mais modernas dependem de algum tipo de mão de obra para funcionar.

Somam-se a isso o custo com embalagem e a depreciação de todo o maquinário envolvido, e então chegamos a uma interessante tabela que mostra a porcentagem que cada uma dessas coisas tem no custo final de um capacitor.

A tabela com o peso de cada elemento no custo é mostrada na figura 26.

Figura 26 – O impacto de cada item no preço final de um capacitor.

 

Se algum desses elementos tem o preço aumentado, o preço final sobe. E nos últimos dois anos, o preço de diversos itens subiu a taxas bem elevadas, causando uma pressão por reajuste de preços em diversos fabricantes de capacitores.

Mas não foi só o preço do maquinário, da mão de obra, da matéria-prima e de tantos outros insumos que causou o desaparecimento de capacitores do mercado em 2018 e o aumento de preços.

Um detalhe industrial chama bastante a atenção aqui. Como em qualquer processo produtivo, e não é diferente com a fabricação de capacitores, existe um limite tecnológico e um limite produtivo.

Com os materiais e técnicas atuais, pode-se quase afirmar que se atingiu o limite tecnológico de produção de capacitores MLCC há uns cinco anos. Significa que os centros de pesquisa das indústrias estão à procura de novos materiais e novas técnicas para poder quebrar as barreiras de tamanho e capacitância que conseguem produzir.

Quando o limite tecnológico é atingido, passa-se a explorar o limite produtivo. Com máquinas mais rápidas e eficientes, consegue-se aumentar o volume de produção. Mas estamos chegando perto do limite produtivo de capacitores MLCC também.

Colocando na ponta do lápis, por mais que as empresas façam investimentos (caríssimos, diga-se de passagem) para aumentar a força produtiva, não há um aumento de lucratividade associado, uma vez que o limite tecnológico atual já foi atingido.

Esse é, sem sombra de dúvida, um dos maiores fatores que levam os fabricantes a desistir desse negócio, fechar fábricas e anunciar que algumas linhas de produção serão desativadas.

Outro fenômeno que acontece é a migração para linhas que apresentam maior lucratividade, mesmo com volumes menores, como é o caso de itens militares, aeronáuticos e automotivos.

Mas, acredite, existem ainda outros fatores muito interessantes que precisam entrar nessa conta. Vamos a eles.

 

Encapsulamentos minúsculos – preços elevados – melhor disponibilidade

Não se pode negar o fato de todo e qualquer equipamento eletrônico estar diminuindo de tamanho.

A miniaturização é um fenômeno irreversível e presente em tudo que nos cerca.

Para ficar, mais uma vez, em um exemplo óbvio, vamos olhar para nosso telefone celular. Ele encolheu e ganhou muito mais poder de processamento, funcionalidades, durabilidade de bateria etc.

E todos os componentes que estão dentro dele têm que encolher também para conseguir acompanhar a demanda da indústria de telefonia móvel.

Não poderia ser diferente com os capacitores.

Aí começa mais um problema que nos levou a um 2018 terrível para os capacitores. Encapsulamentos maiores, utilizados em projetos antigos, na maioria das vezes em aplicações industriais e de volume de produção menor que os telefones celulares, não têm prioridade no desenvolvimento e fabricação dos grandes players da área de capacitores.

A frase acima é dura, mas é real. O foco de qualquer fabricante de semicondutores e de passivos fica sempre onde há grande volume de vendas. Se algum item passa a ter baixo volume de vendas, o investimento em desenvolvimento e produção dele também diminui.

Isso fica muito evidente na figura 27, na qual os encapsulamentos SMD mais comuns no mercado de capacitores são comparados quanto à disponibilidade.

Figura 27 – O impacto de cada item no preço final de um capacitor.

 

É necessário olhar para o gráfico da figura 27 com cuidado e analisar tudo que está implícito nele.

Se você tem um projeto eletrônico em que as dimensões dos capacitores são um “gigante” 1206 (essas dimensões são explicadas na figura 28), a chance de não encontrar peças no mercado e ter que pagar bem mais caro por ele é “gigante” também.

Mas, se você revisou seu projeto e já trocou esse capacitor “gigantesco” de 1206 para um 0603, achando que, com isso, já estava fazendo uma boa miniaturização de seu projeto, saiba que o mercado de capacitores não parece concordar muito com você, pois o 0603 já está difícil de se encontrar em alguns fabricantes.

Mesmo que você já tenha tido a sábia decisão de utilizar um capacitor 0402 em seu projeto, saiba que ele já está em curva descendente de disponibilidade nos fabricantes, como está claramente sinalizado na figura 27.

Note que valores minúsculos, como o 0201 ou o 01005, que eram impossíveis de serem considerados na maioria dos projetos há pouco mais de dez anos, já começam a fazer parte de grande parte do roadmap dos fabricantes tradicionais de capacitores MLCC.

Até capacitores pouca coisa maiores que um grão de areia, como o quase invisível a olho nu 008004, já começam a ser oferecidos por alguns fabricantes.

Um comparativo entre os tamanhos minúsculos e uma moeda de um quarto de dólar americano impressiona e pode ser visto na figura 29.

Figura 28 – O tamanho dos encapsulamentos dos capacitores, segundo as medidas imperiais (mais comum) e segundo o sistema métrico (menos comum).

Figura 29 – Comparativo dos tamanhos minúsculos de capacitores MLCC, como o absurdamente pequeno 008004, e uma moeda de um quarto de dólar americano.

 

O conceito aqui é que cada vez mais os fabricantes estão abandonando encapsulamentos grandes, que têm pouca capacitância (geralmente, itens antigos, desenvolvidos há mais de dez anos, que estão muito bem consolidados no mercado eletrônico e têm um volume estável, porém baixo quando comparado com outros mercados), e migrando cada vez mais a sua produção para itens cada vez menores, com mais capacitância, que são bem recentes de desenvolvimento e miram áreas como a telefonia celular (alto volume de produção anual). Isso pode ser notado na figura 30.

Figura 30 – Quem escolheu capacitores com encapsulamentos “grandes” e “antigos” passou a ter mais dificuldade de encontrar componentes em 2018.

 

Pois é, meu querido leitor que trabalha no departamento de engenharia eletrônica em qualquer empresa do Brasil e do mundo. Se você especificou um capacitor MLCC com encapsulamento 1206, ou 0805, pode ter certeza de que você colocou o departamento de compras da sua empresa no meio do olho do furação do problema de capacitores em 2018.

Isso porque esses encapsulamentos são os mais comuns e antigos sendo utilizados na área industrial, cujos volumes de consumo não conseguem alcançar o mercado de telefonia celular, para ficar em apenas um exemplo óbvio.

O seu departamento de compras viu o preço desses itens saltar astronomicamente ao longo de 2017 e 2018. E viu ainda que os prazos de entrega ultrapassaram um ano em alguns casos (como eu já mostrei na figura 00).

Uma ideia um pouco mais detalhada do que está acontecendo pode ser vista na tabela da figura 31, em que se pode notar que diversos dos principais fabricantes de capacitores passaram a deixar de fabricar encapsulamentos maiores para se dedicar a encapsulamentos menores.

É necessário, portanto, que você revise seu projeto e seu processo fabril para trocar encapsulamentos maiores por encapsulamentos menores, se não quiser ver a sua linha de produção parada por causa de um mísero item que não tem mais do que 1 milímetro quadrado.

Figura 31 – A baixa disponibilidade de encapsulamentos “grandes” começa a ser um imenso problema em tempos de crise de fornecimento, como aconteceu em 2018.

 

Como eu resolvo o problema de falta de capacitor MLCC no mercado?

A pergunta acima vale alguns bons bilhões de dólares. E, infelizmente, eu não tenho uma resposta pronta para ela. O máximo que vou conseguir aqui neste artigo é dar algumas sugestões que você pode seguir e minimizar um pouco esse problemão.

 

1 – MUDE DE ENCAPSULAMENTO

Como eu citei no tópico anterior a este, revise seu projeto e procure ter encapsulamentos menores do que o que você usa hoje.

A indústria segue a tendência de fornecimento para aquilo que tem o maior volume de consumo. E, sem dúvida, a miniaturização é um caminho sem volta.

 

2 – TROQUE DE TIPO DE CAPACITOR EM SEU PROJETO

A crise de 2018 afetou muito o mercado de capacitores MLCC. Mas existem outros modelos que não tiveram um aumento de preço tão agressivo nem sofreram tanto com a falta de peças.

E nem só de MLCC vive o mundo dos capacitores. Existem diversos outros tipos de capacitores no mercado, como você pode ver na figura 32.

Figura 32 – Alguns dos diversos tipos de capacitores fabricados atualmente.

 

É claro que essa troca não pode ser feita à revelia, apenas olhando os aspectos de prazo e preço, com o perigo de colocar todo um projeto eletrônico por água a baixo se não for feita com critério.

Alguns aspectos a serem levantados para auxiliar nessa troca de componente são as características de cada um dos diferentes tipos de capacitores, como mostrado na tabela da figura 33.

Figura 33 – Comparativo entre características técnicas de diferentes modelos de capacitores.

 

Os departamentos de engenharia do Brasil e do mundo devem ter em mente que alguns tipos de capacitores podem ser perfeitamente aplicados no lugar do MLCC. Existe uma sobreposição de modelos quando se levam em consideração os parâmetros como tensão e capacitância, como fica muito claro na figura 34.

Figura 34 – Sobreposição de tipos de capacitores quanto à tensão e capacitância.

 

Não apenas tensão e capacitância apresentam uma sobreposição. A frequência de aplicação desse capacitor também apresenta vários modelos que atendem à mesma característica, como se vê na figura 35.

Figura 35 – Sobreposição de tipos de capacitores quanto à frequência de aplicação.

 

3 – PROGRAME A SUA COMPRA ANTECIPADAMENTE

Se você passou o ano de 2018 inteiro projetando um equipamento eletrônico e somente no último trimestre do ano resolveu ir às compras para adquirir peças, provavelmente levou um susto com o prazo de entrega fornecido por fabricantes e distribuidores de componentes eletrônicos.

Um dos métodos para tentar diminuir um pouco esse prazo de entrega é colocar o quanto antes um pedido de compra, seja diretamente no fabricante, seja por meio de um distribuidor autorizado.

Existe uma fila de entrega de peças, num momento como o vivido em 2018, e quem entra mais cedo na fila recebe peças mais cedo.

Se você consegue fazer uma programação de compras para atender à sua produção ao longo de um ano, passará a ter peças regularmente.

O pior dos cenários numa crise como a de 2018 é você tentar comprar peças de última hora para atender a algum projeto emergencial. Não conseguirá, como diversos clientes meus não conseguiram.

E algumas linhas de produção tiveram que parar e aguardar esses capacitores chegarem.

 

4 – COMPRE SEMPRE DE UM CANAL OFICIAL

Imagine a situação: sua linha de produção vai parar porque um mísero capacitor não chegou e não existe previsão de chegar nos próximos seis meses.

Você corre ao mercado e descobre que existe um fornecedor novo, desconhecido, do qual você nunca ouviu falar antes, geralmente na Ásia, mas que, para a sua salvação, tem um lote de capacitores disponível para pronta-entrega, com preço apenas um pouco maior do que você está acostumado a pagar. Você pede as especificações técnicas e elas batem com aquela que seu departamento de engenharia especificou, apesar de ser de uma marca que nenhum de seus engenheiros ouviu falar.

Você solicita algumas amostras, monta essas amostras, testa e 100% delas funcionam perfeitamente! Aí você compra os itens e coloca todos em produção.

Problema resolvido, correto? Sim, até que os produtos montados com esses itens comecem a retornar de campo por conta de falhas e mau funcionamento que nunca aconteceram antes. A engenharia analisa as fontes dos problemas e detecta que, diferentemente das amostras enviadas para homologação, o lote vendido varia muito em qualidade, o que ocasionou as falhas.

Já ouviu falar que o barato sai caro? Esse é o melhor exemplo que eu posso lhe dar.

Comprar de fabricantes desconhecidos, que não têm procedência garantida, por meio de canais de vendas que não são reconhecidos pelos fabricantes tradicionais pode resolver o seu problema imediato de falta de peças.

Mas pode lhe criar um enorme problema de qualidade em seus produtos em campo.

O que vale mais a pena?

Minha dica: compre apenas de canais oficiais. Diretamente com o fabricante ou nos canais reconhecidos por esses fabricantes. E fuja dos espertalhões que se aproveitam do MLCC Shortage para faturar.

 

2019 será tão ruim quanto 2018?

Ainda é cedo para responder a essa pergunta. Na publicação deste artigo, ainda falta um mês para o Carnaval de 2019.

Toda sinalização que eu encontrei é que, pelo menos no primeiro semestre de 2019, a situação ainda continua ruim. Preços lá em cima, sem nenhuma sinalização de queda. Prazos de entrega tiveram uma leve diminuição, mas nada que salvasse a pele de quem não se programou nos últimos dois anos e/ou que foi pego de surpresa por essa avalanche que foi 2018.

Um fato interessante é que alguns dos principais fabricantes de capacitores MLCC estão tomando algumas ações para tentar corrigir o que aconteceu em 2018. Uma lista de algumas dessas ações pode ser vista na tabela da figura 36.

Figura 36 – Algumas ações implementadas pelos fabricantes de MLCC durante os anos de 2017 e 2018.

 

Você deve ter em mente que todas as ações acima demoram algum tempo para surtir efeito prático no mercado. Portanto, devemos ter alguma atualização apenas no segundo semestre de 2019.

 

E sobre os resistores, indutores, transistores e outros componentes eletrônicos?

Neste artigo, eu foquei apenas os capacitores.

E você conseguiu notar, se teve a paciência de ler tudo até aqui, que foi necessário muito material para tentar explicar em detalhes tudo que está acontecendo nesse mercado.

Eu ainda acho que alguma coisa ficou de fora, mas conto com os comentários dos leitores para melhorar este material.

O mesmo poderia ter sido feito com os resistores, com os indutores e com os transistores de potência do tipo Power MOSFET.

Esses componentes também apresentaram problemas de aumento de preço e de aumento de prazo de entrega ao longo dos últimos anos.

O mercado de semicondutores vem num crescente impressionante, e todas as estimativas disponíveis dizem que chegaremos a um volume de US$ 500 bilhões em componentes eletrônicos até 2020 (isso já é amanhã, não é mesmo?), como se vê no gráfico da figura 37. E todo o mercado aponta que facilmente chegaremos a um volume de US$ 1 trilhão antes mesmo de 2030 (isso já é depois de amanhã!).

Figura 37 – Faturamento da indústria de semicondutores ao longo do tempo.

 

Não há, num horizonte de curto e médio prazo, uma tendência de redução de consumo de itens eletrônicos. Então, a situação tende a se manter crítica por algum tempo. Se tivermos algumas reduções pequenas nos problemas de 2018, não se esqueça que vêm por aí coisas como a telefonia celular 5G, o carro autônomo, a realidade aumentada, os 50 bilhões de dispositivos de internet das coisas e mais algumas traquitanas eletrônicas.

As dicas dadas para os capacitores neste artigo valem também para outros componentes eletrônicos.

Abraços e até a próxima!

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